Em matéria de Larry Rohter, correspondente do N Y Times no Brasil, intitulada After a Century, a Literary Reputation Finally Blooms (algo como Depois de Um Século Finalmente Floresce uma Reputação Literária), é feito um histórico da vida de Machado de Assis e também são apresentadas opiniões de críticos literários e autores internacionais sobre a obra do Bruxo do Cosme Velho que, gradativamente, vai se tornando universal.
“Quando Joaquim Maria Machado de Assis morreu há 100 anos, sua morte foi pouco ou quase nada noticiada fora do Brasil. Porém, nos últimos anos ele tem sido visto com outros olhos a partir da influência de formadores de opinião de língua inglesa e hoje é aclamado como um gênio injustamente negligenciado.
Susan Sontag, uma das primeiras e fervorosas admiradoras de sua obra, certa vez disse que “Machado de Assis fora o maior escritor jamais produzido pela América Latina”, superando até mesmo Borges. Harold Bloom foi ainda mais longe, dizendo que Machado “era o supremo artista literário negro até então”.
Sua obra é comparável a Flaubert e Henry James, Beckett e Kafka. John Bart e Donald Barthelme o tem como influência literária.
Tudo isso contribui para uma mudança de condição que Machado, com o seu requintado sentido de observação, certamente teria apreciado. Afinal de contas, seu romance mais célebre, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, pretende ser a autobiografia de um aristocrata decadente refletindo sobre sua vida de decepções e fracassos no além do túmulo.
Em tardio reconhecimento, acontece a Machado 21: A Centennial Celebration, uma homenagem ao autor em New York e New Haven, em que haverá debates, seminários, leituras de seus textos e apresentação de filmes baseados em suas obras.
Harold Bloom o descreve como uma “espécie de milagre”. Nascido no Rio de Janeiro, filho de um pintor de paredes e uma lavadeira açoriana e neto de escravos; Machado foi extremamente culto e autodidata, tendo trabalhado como aprendiz de tipógrafo e jornalista antes de se tornar romancista, poeta e dramaturgo. Eventualmente tornou-se ministro da agricultura e casou-se como portuguesa de ascendência nobre. Foi tradutor de Shakespeare e Victor Hugo, mas por volta dos 40 anos, já sofrendo da epilepsia, sua saúde piorou e quase perdeu a visão. Isto parece que o levou a mudar radicalmente seu estilo, atitude e foco.
Nos vinte e cinco anos seguintes, Machado produziu cinco romances que, de certa forma, estavam interligados e, assim, sua reputação como grande romancista foi criada. Embora os críticos internacionais considerem Memórias Póstumas de Brás Cubas, sua obra-prima, os brasileiros preferem Dom Casmurro, cuja melancolia está centrada no efeito corrosivo do ciúme sexual.
“Como disse um inglês amigo meu, ele é o melhor”, afirma Roberto Schwarz, um dos maiores conhecedores da obra de Machado. “O que você vê nos cinco romances e contos é um escritor sem ilusões, corajoso e cínico, que é altamente civilizado, mas ao mesmo tempo implacável na denúncia da hipocrisia do homem moderno acomodar-se a condições que são intoleráveis. “
Desde o tempo dos filmes mudos, a obra de Machado tem sido uma fonte favorita para cineastas brasileiros. O diretor Nelson Pereira dos Santos recentemente organizou exibições de filmes e adaptações da obra de Machado na Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, que Machado ajudou a fundar em 1897. “Quando você lê Machado de Assis pela primeira vez, ainda na escola, logo se percebe que ele é o capitão de nossa língua, o nosso Shakespeare, um verdadeiro mago das palavras”, disse o Sr. Pereira dos Santos, que está com 80 anos. Mesmo com as enormes mudanças que a sociedade brasileira tem experimentado, Machado se torna atual por que tem a capacidade de captar a essência das relações sociais e de comportamento, muitas das quais são arcaicas, mas que persistem no século 21, o que o torna extremamente relevante.
A semana de comemorações incluem a análise de dois filmes no Lincoln Center, como parte do festival Latinbeat, ambos dirigidos pelo Sr. Pereira dos Santos. “Azyllo Muito Louco” é baseado no romance “O Alienista”, enquanto “Missa do Galo” é uma adaptação de um conto homônimo
Mas o Sr. Pereira dos Santos argumenta que algumas obras de Machado têm sido bem traduzidas para a tela. O motivo, ele defende, é que parte da subtilezado escritor inevitavelmente se perde ou é atenuada quando se leva para as telas.
“É um verdadeiro desafio, devido à ambigüidade e ironia da língua”, disse o Sr. Pereira dos Santos. “E, a menos que você use um narrador, é difícil transmitir essa ambigüidade, através de ações. Então eu nunca tive a coragem de filmar nenhum dos romances, simplesmente porque descobri que essa tarefa é extremamente difícil para outros diretores.”
Muitos escritores que admiram Machado vêem seu trabalho como precursor de algumas tendências literárias do século 20. Allen Ginsberg o descreveu como “um outro Kafka” e Philip Roth vê paralelos entre Machado e Beckett.
“Ele é altamente irônico, um comediante trágico”, disse Philip Roth em entrevista à Folha de São Paulo. “Em seus livros, nos seus momentos mais cômicos, ele destaca o sofrimento, fazendo-nos rir. Tal como Beckett, ele é irônico cerca de sofrimento.”
Outros encontram paralelos com Jonatan Swift e Laurence Sterne. “Ele é diabolicamente engraçado, com uma enorme dívida para com Sterne,” disse o Sr. Bloom a respeito de Machado de Assis, em entrevista telefônica. “Na verdade, ele é tão hilariante, por vezes, que quando eu leio ‘Tristram Shandy, eu posso jurar que Sterne tenha lido Machado.”
Os críticos sabem a razão pela qual a obra de Machado demorou tanto para ser apreciada pelo público de língua inglesa. Harold Bloom acredita que algumas traduções foram “insuficientes”. Novas traduções surgiram a partir da década de 1990, todas feitas por Gregory Rabassa, que também é tradutor de Gabriel Garcia Márquez, Vargas Llosa e Cortázar.
Traduzir Machado “foi muito divertido,” disse o Sr. Rabassa. “Seu Português é fluente, fluido e clássico, provavelmente a melhor prosa jamais feita em Português. Mas ele tinha uma sensibilidade que estava à frente do seu tempo, e talvez até mesmo à frente do nosso tempo; cético, e não um idealista, por qualquer razão.”
Susan Sontag, que escreveu a introdução da tradução de “Brás Cubas” feita por Gregory Rabassa, argumentou que outras desvantagens também abrandaram a aceitação Machado - incluindo a sua escrita a partir da “periferia” da cultura ocidental em um idioma injustamente considerado “menor”.
Na maior parte das vezes, os brasileiros ficam satisfeitos por ver o crescimento do prestígio de Machado de Assis, embora também eles perguntem por que razão levou tanto tempo. E poucos se queixam de que Machado, hoje, sofra uma deturpação pelas comemorações no mundo de língua inglesa.Entusiastas dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha “estão a fazer Machado aparecer cada vez menos como Machado,” disse o crítico e autor Antônio Gonçalves Filho, que argumentou no mês passado em um simpósio em São Paulo. “Na verdade, eles estão fazendo o escritor virar branco, como Michael Jackson. De repente, ele se tornou universal”.
Roberto Schwarz afasta essas preocupações. “É sempre bom para um escritor ser reconhecido”, disse ele. “A Machado é dada a estima que ele merece por causa de sua enorme capacidade de universalizar problemas locais. Brasileiros e estrangeiros talvez venham a vê-lo a partir de ângulos diferentes, mas ele próprio Machado, ele não tem um lado ou o outro, e em ambos é interessante.”
Livre tradução do artigo After a Century, a Literary Reputation Finally Blooms, de Larry Rohter, no New York Times, de 12 de setembro de 2008.
O painel que está no início desse artigo foi pintado por Glauco Rodrigues e está no imperdível e online Espaço Machado de Assis, na Academia Brasileira de Letras.
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